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25.7.03
ar.
posted by edilaine 9:45 da tarde
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PULO
Lembrei-me também da história que você me contou, de quando foi ao parque e como voltou ao mesmo lugar a que tínhamos ido naquele dia dos ventos de 120 km por hora, aquele dia em que todas as ruas estavam cobertas de galhos e folhas e sacos plásticos e todo o tipo de coisas que um vento desses pode arrastar. E como nesse dia, há um ano atrás talvez, tive que segurar com toda a força o guidão para conseguir chegar até lá; a curiosidade de descobrir se era possível ser derrubado pelo vento maior que o medo de que isso acontecesse. Mas é óbvio que não, é uma questão de física, todo mundo sabe, como era mesmo aquela fórmula, F=ma_ ou algo assim, se eu tivesse levado as aulas de física mais a sério talvez eu me lembrasse, talvez eu pudesse calcular todas as variáveis, que nesse caso eram infinitas, incalculáveis, imensuráveis e, afinal de contas, quando há um acidente é sempre por causa daquela variável que ninguém considerou, então decidi continuar. E quando chegamos ao parque e, é claro, não havia ninguém mais ali, era provavelmente um dos piores dias para se ir ao parque, mas ao mesmo tempo o melhor, por causa da incrível velocidade das coisas que normalmente estão paradas, um daqueles dias em que as autoridades e as redes de televisão e os jornais publicam centenas de alertas e em que uns morrem nos desabamentos em algumas cidades distantes do norte onde a velocidade e a violência desses dias é ainda maior.
Então caminhamos contra a força que jogava nossos corpos em todas as direções, incrível que eles não fossem arrastados também pelo gramado, um campo aberto e as árvores cujos galhos espessos se dobravam como borracha. E você, como sempre, e porque talvez acredite que isso signifique alguma forma de transgressão das leis naturais, começou a examinar os troncos e a configuração dos galhos para buscar os melhores pontos de apoio para escalar uma delas. Porque o tempo todo, não importa onde estivesse, você realizava sempre esses mesmos gestos, tocando as superfícies, testando seu peso contra os muros, portões, procurando as mínimas deformações onde pudesse se agarrar, os objetos como obstáculos.
Mas nesse dia os galhos, especialmente, não ocupavam nenhum ponto preciso no espaço, mas formavam uma rede em constante movimento, tornando o deslocamento de x a y uma tarefa quase impossível. O trajeto de um salto, os pontos de partida e aterrissagem, o próprio peso do corpo e a força dos músculos completamente alterados pela força do vento. Então você tinha que se agarrar com toda a força à superfície, aos sulcos e protuberâncias dos galhos para se mover, explorando toda essa nova topografia com cuidado até que, talvez entediado com todas essas limitações, com um salto retornou ao seu habitat natural, o chão. Era o dia em que eu partiria para algum lugar, você me contou, e que talvez não voltasse, e agora me lembro bem, porque nunca mais ventou desse jeito, com tanta fúria, e me lembro ainda de como nos despedimos e andamos em direções opostas, mas porque ventava em todas as direções, estávamos os dois contra a ordem natural das coisas que era nesse dia a absoluta desordem.
Mas a segunda vez, quando retornou, me disse, foi completamente diferente. Às vezes eu penso que você provavelmente esteve em outro lugar, não naquele a que tínhamos ido e por isso teve uma experiência tão distinta. Como às vezes em que menciona essa ou aquela ocasião que eu presenciei, modificando ou criando um lugar, o que foi dito, quem estava lá, apenas porque talvez preferisse que tivesse acontecido desse jeito, assim, sem o menor escrúpulo. Na verdade pouco importa se a descoberta de que se pode pular entre os galhos, e voar de um ao outro e habitar o ar, essa que aconteceu depois da ventania, imagino que num dia ensolarado e parado, quando a natureza está muito mais gentil, se deu naquela mesma árvore, naquele lugar. Porque isso
tudo se tornou uma outra coisa, uma coisa só, seu corpo, o ar, os galhos, todos esses elementos arrastados de uma vez só para uma relação inédita num evento específico. E quando você ultrapassou aquele momento em que nos defrontamos com a idéia de que tudo pode acontecer: de um lado, a interrupção de um movimento, a queda, o vazio, até mesmo a morte como o extremo dessa tendência, por outro, um pulo perfeito em sua simplicidade e espontaneidade, algo que conecta o corpo, o galho, o ar, um arco traçado entre esses elementos formando um outro plano, isso fez com que eu finalmente entendesse a sua busca.
Cristiana Mazzucchelli e Thomas Groves – junho de 2003
posted by edilaine 9:44 da tarde
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9.7.03
Oisive jeunesse à tout asservi
par délicatesse, j’ai perdu la vie
Ah que le temps vienne
où les cœurs s’éprennent.
eu costumava pensar neste poema.
posted by edilaine 8:59 da tarde
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ai. engasguei com uma bala que era tão boa...
posted by edilaine 8:58 da tarde
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por José Arthur Giannotti
Não creio que exista algum motivo para se viver, pois é no percurso da vida que se selecionam motivos. A pergunta é improcedente.
Por que então não me mato? Querer matar-se é um motivo tão radical que aboliria a escolha de um motivo. Ora, mesmo quando a vida parece não valer a pena, isto é apenas uma aparência, e não é o que é. Quem me assegura que amanhã não quererei viver? O suicídio é um erro de cálculo. E assim continuamos a viver, a atravessar o presente para se ter um passado e um futuro. Esse viver no tempo é ainda compromisso com esse percurso, por conseguinte viver vivendo, vale dizer, comprometendo-se com a vida e com a compreensão dela. A compreensão da vida é manter sua identidade na diferença, em particular, na diferença maior que se infiltra entre o eu e o outro. Existe, pois, entre o eu e o outro um espelhamento, uma solidariedade. Difícil é encontrá-la e mantê-la. Não há motivo para se fazer patafísica, a não ser a solidariedade com um amigo que lhe formula um contra-senso.
posted by edilaine 8:58 da tarde
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CUBO BEGE

cubobege@yahoo.com.br
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